O Contágio Invisível no Mundo Efêmero
Camile Muniz de Melo
Imagine um vírus que se espalha de um hospedeiro para outro, mesmo à distância, a uma velocidade impressionante. Segundo dados do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), as notícias falsas se espalham, no Twitter, 70% mais rápido do que as notícias verdadeiras, contaminando milhões de pessoas. Além disso, de acordo com a pesquisa do Poynter Institute, 43% dos brasileiros já compartilharam informações falsas e só perceberam depois. Dessarte, os dados deixam evidente que a sociedade contemporânea é marcada pela ubiquidade das tecnologias e pela velocidade das informações, ao mesmo tempo que nos conecta, nos expõe a uma pandemia silenciosa: a disseminação de fake news.
No dia 5 de maio de 2014, Fabiane de Jesus foi vítima de uma notícia falsa. Uma página do Facebook publicou a foto de uma mulher, acusando-a de ser sequestradora de crianças para rituais de magia negra. Infelizmente, as pessoas confundiram Fabiane com a mulher da foto e a agrediram e ela veio a óbito. Segundo a polícia, não havia nenhuma denúncia de sequestro na região. Esse caso mostra como a era digital aumentou o alcance e a velocidade da desinformação, tornando a criação e o compartilhamento de conteúdo na internet mais fáceis, mas dificultando a verificação da sua autenticidade. Mas se, na prática, fosse diferente? Se a produção de conteúdo fosse um processo mais dificultoso e a verificação de sua autenticidade fosse algo de conhecimento de todos, a batalha contra a desinformação seria tão intensa?
Assim é importante destacar que a internet, que em princípio democratizava o conhecimento e facilitava o acesso às informações e às redes sociais, torna-se o ambiente propício para a propagação de notícias falsas. Como abordado por Pollyana Ferrari e outros autores em “Nós: técnoconsequência sobre o humano”, o avanço constante das tecnologias gera um efeito em que as pessoas não conseguem acompanhar com a mesma rapidez. Antes, era necessário esperar por jornais impressos ou noticiários televisivos para se manter atualizado sobre os acontecimentos do mundo. Hoje, basta um clique para ter acesso a uma infinidade de informações em tempo real. A internet e as redes sociais tornaram-se as principais fontes de notícias, e apesar de as tecnologias serem essenciais para a sociedade, quando desenvolvidas de modo inconsequente, elas podem causar consequências trágicas. Deste modo, esse progresso se assemelha a um vírus mutante: cada vez mais rápido, mais contagioso e mais resistente. Um simples toque basta para a propagação. Se não fosse possível compartilhar notícias nas mídias sociais, haveria tantas informações falsas?
A cultura do imediatismo, impulsionada pela internet e pelas redes sociais, tem influenciado significativamente a maneira que consumimos e compartilhamos informações, e assim proporcionando uma sensação de gratificação instantânea que alimenta a cultura do imediatismo. Outrossim, Zygmunt Bauman, em suas reflexões sobre a modernidade líquida, destaca a valorização do presente e a busca por satisfações imediatas como características marcantes da sociedade contemporânea. Essa cultura do efêmero torna as pessoas mais vulneráveis à manipulação, pois a busca por novidades e a falta de tempo para aprofundar a análise das informações, facilita a aceitação de conteúdos superficiais e enganosos. Quem se beneficia com isso? Quem promove essa cultura do efêmero? Por que as mídias sociais impulsionam a cultura do imediatismo?
E como o vírus tem a vacina para controlar, a sociedade precisa de ações voltadas para o letramento digital, para que assim como o vírus, a fake news passe a ser menos contagiosa e podemos viver bem e tranquilos novamente. Portanto, para combater essa pandemia de desinformações, é fundamental desenvolver um senso crítico mais apurado e promover a educação midiática. É necessário ensinar as pessoas a identificar as fontes de informação, a avaliar a credibilidade dos conteúdos e a verificar os fatos antes de compartilhar qualquer informação nas redes sociais. Ademais, as plataformas digitais precisam ser fiscalizadas para assumirem um papel mais ativo na moderação de conteúdos e necessitam de políticas mais rigorosas na identificação e na remoção de informações falsas. Mas será que essas plataformas têm realmente a intenção de moderar esses conteúdos, ou estão apenas cumprindo uma obrigação, como se estivessem oferecendo uma solução para um vírus que só seria eliminado com uma ação mais eficaz? Talvez conheçam a fórmula, mas por que iriam se livrar desse vírus que tem um alcance maior do que a própria verdade?
Em suma, a disseminação de fake news representa uma ameaça à democracia e à humanidade como um todo. Ao desenvolver um senso crítico e promover a educação midiática, podemos nos imunizar contra o vírus da desinformação. Por conseguinte, construir um futuro com uma sociedade que consiga discernir as notícias e, assim, a internet pode torna-se um lugar mais informativo e democrático. Então, com isso seria mais difícil manipular as pessoas. Não seria interessante fazer isso, não é? Porque achariam interessante investir em políticas públicas voltadas para a educação midiática? Desta maneira, percebe-se que a relação entre o poder e a informação é ambígua. Enquanto a manipulação serve aos interesses de alguns, a educação pode ser uma ferramenta de libertação para muitos. Mas até que ponto a verdade é desejável para aqueles que detêm o controle?
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2001. .
FERRARI, Pollyana (Org.)Nós: Tecnoconsequências sobre o humano [recurso eletrônico] / Pollyana Ferrari (Org.) - Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020.
GUIMARÃES, P.; RODRIGUES, C. 4 em cada 10 brasileiros afirmam receber fake news diariamente. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/4-em-cada-10-brasileiros-afirmam-receber-fake-news-diariamente/>. Acesso em: 27 de Junho de 2024
Mulher espancada após barcos na rede social morre em Guarujá, SP . Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/05/mulher-espancada-apos-boatos-em-rede-social-morre-em-guaruja-sp.html> . Acesso em: 28 de Junho de 2024
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